domingo, 26 de outubro de 2008

Zamora en bici


No canto do olho, ali, bem no cantinho se escondia uma lágrima. No começo era o frio, depois passou a ser o vento. Ela não se importava com nada, nem guardanapo de posto de gasolina, nem manga do casaco, nem dedo, nem nada. Estava sempre ali, e com razão porque ventava pra burro. 

Mas assim como ela, não me importei. Estava feliz o bastante de sair num dia de sol, livre pela estrada. Enfrentava 70km até Zamora, uma cidade históric
a que está aqui perto de Salamanca. Não conheço os motivos pelos quais geralmente se começa a praticar ciclismo de estrada, mas o meu é muito simples. Gostei muito da idéia de poder acordar cedo num domingo, subir na bicicleta e parar em outra cidade. Ainda mais quase se percorre um trecho da Via de la Plata, que originalmente vai de Sevilla a Santiago de Compostela. Uma via que remonta os tempos da colonização romana da Hispania, ou terra de coelhos. 

Segui valente. Não deixei a inexperiência atrapalhar a motivação. Nem o câmbio quebrado no marcha mais leve, ali pelo quilômetro 20km. Segui, com um sorriso no rosto. Aquela viagem seria mais ou menos 20% do caminho até Santiago, que farei no meio de Dezembro. Completá-la me diria se poderia fazer o caminho ou não. Então segui
 forte, relembrando as batalhas cristãs contra o emirato, e depois o califato muçulmano no século X. Todas elas aconteceram por ali, ao alcance dos meus olhos. Segui animado, mas a lágrima no canto do olho já não era do frio, nem do vento. O Sol estava forte, e o asfalto fazia bem seu trabalho de sugar toda a energia de sol e devolve-lo para mim. A lágrima já era dor mesmo, malditas subidas. Mais um pouco e calculava que já chegava. Parei num posto próximo a um povoado chamado Cubo de Tierra de Vino, e descobri que ainda faltava metade do caminho. Maldita idéia, e maldito sol. Pego um ônibus e acabou. Mas não...

Seguia teimoso. Tive uma conversa interessante com um na
tivo do povoado, no posto. Me senti um pouco mais animado, e por isso continuei. No fim me arrependi de não ter perguntado como se chama quem nasce em Cubo de Tierra de Vino, mas fica pra próxima. Fica pra dezembro. 

O quilômetro 60 foi o mais difícil. Já podia ver a cidade e tudo mais, mas as pernas estavam no piloto automático, dormentes, já ha algum tempo. Enxuguei as lágrimas, alonguei, dei um grito e cheguei. Cheguei caindo, tropeçando, mas cheguei.

A ainda deu pra conhecer um pouco da cidade antes de tomar 
o ônibus de volta. 

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Porque estamos na América Latina


Nunca vou me esquecer de um mendigo com quem conversei na ilha de Curaçao. Chamava-se Richards, e falava um português razoável. Logo explicou que o português adaptou do papiamento, que é sua língua materna, assim como para a maioria dos nativos daquelas antilhas. "Uma espécie de mistura de espanhol, holandês e português", me explicou logo. Passa que por aquelas ilhas o comércio intenso nos séculos XVI e XVII acabou cunhando um idioma novo, numa região que até hoje vive dos barcos e navios que param por ali. 

Eu interessado mais na conversa que nos desenhos toscos que nos tentava vender, perguntei quantos idiomas falava, ao que me respondeu simplesmente. "Aqui todos falamos 4, o holandês porque é a língua oficial, o papiamento que falamos em casa, o inglês porque é a língua dos turistas, e o espanhol porque estamos na América Latina". Simples assim. Porque estamos na América Latina. Apesar de todos seus defeitos, achei uma ótima a iniciativa do Lula de começar pra valer (vamos ver se realmente pra valer) o ensino do espanhol nas escolas públicas. Quem sabe finalmente não começamos a pensar na Argentina, no Chile, na Colômbia como nomes que vão além de seleções de futebol. 
A integração dessas nações hispano-americanos é algo que acho impressionante, e o Brasil nunca será líder nem porta-voz da região se continuarmos mais ligados a Nova Iorque e Paris do que à Buenos Aires ou Santiago. Não tem jeito, América do Sul é nosso destino. 

(Na foto, de baixo da torre, foi escrita por Antonio Nebrija a primeira gramática do castellano, em 1492)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Santiago 2.

O Caminho de Santiago de Compostela foi um dos grandes fatores que levou ao povoamento da península Ibérica durante a idade média. A idéia de que um dos apóstolos de Cristo estivesse enterrado alí, e o acordo com os papas em Roma, que no século XII proclamaram o caminho como uma forma de indulgencia, levou milhares de pelegrinos de toda a Europa a percorrer o que hoje ficou conhecido como Caminho Francês. O primeiro guia do caminho foi publicado neste século, quando também foi criada uma ordem militar para proteger o caminho dos mouros ao sul, e de piratas. Os primeiros roubaram os sinos da catedral de Santiago e levaram para a cidade de Córdoba, e os últimos invadiram Santiago de Compostela no final do século XV. Alguns monges resolveram então esconder o corpo e as relíquias do apóstolo, e infelizmente acabaram sendo mortos sem revelar o local do esconderijo, que foi descoberto apenas 500 anos mais tarde.

Santiago.

Decidi hoje que farei o caminho de Santiago. São diversos, mas farei um caminho semelhante ao Caminho Norte, mas também não será exatamente este. É um caminho mais pessoal, e mais aventureiro, e mais etílico. Explico. Começo em Salamanca, e vou descendo o rio Douro, por entre as vinícolas espanholas e portuguesas, e chego finalmente a Bragança em Trás-os-Montes, terra de antepassados. Provavelmente verei muitos parentes na rua, que nunca saberei que são parentes, e também provavelmente não será nada demais. Mas como se diz em espanhol, me encanta a idéia de passar pela região. De lá sigo até Santigao de Compostela, em busca de nada mais além de uma aventura. Por isso também meu percurso não termina em Santiago. Pego o trem de volta em A Coruña!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Hay un muerto

O carro vazio. Éramos seis, apertados, mas já nao mais falávamos. Cansados do intenso dia colhendo uvas. Como a maior parte do tempo passamos com a cabeça baixa, procurando cachos rasteiros, a tendencia é ficar com um dor de cabeça sem igual, que nos deixava calados.

"Hay un muerto"

Quem exclamou foi o nosso ''chefe'', que é o Sr. dono das cepas. Passávamos em frente a igreja do povoado e afixado a porta um pedacinho de papel. Paramos, como muitos pararam, e fomos ver quem era o morto.
No dia seguinte a vendímia começou com uma hora de atraso, já que muitos foram assistir ao velório as 7 da manha, para que justamente nao atrapalhasse as vendímias.

Pequeno assim é Villa de Don Fadrique.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Está na época das Vendímias


 

Pois fui este final de semana vendimiar. Nao foi Douro, ou Rioja,  foi Villa de Don Fadrique, povoado de uns 4 mil habitantes, que sobrevive do vinho, das azeitonas e de uma fábrica de portas. As uvas para o vinho começam a ser colhidas no fim de setembro e início de outubro, e são depois vendidas para uma das quarto cooperativas presentes na cidade. Vira tudo vinho, de qualidade mediana, mas que pelo menos até agora tem garantido o sustento da cidade. Nesta época do ano, o transito nas ruas do povoado é apenas de tratores, e os bares recebem em sua maioria romenos, ucranianos e portugueses. Dizem entre os que vendimiam que na busca por soldos melhores os portugueses vem para a Espanha,  os espanhóis vão para a França e estes últimos só bebem.

A experiência foi excelente. Só pela comida e pelas pessoas que conheci, valeu a pena. Nestes pequenos povoados ainda se sustenta grande parte da tradição espanhola, que envolve almoço as 10 da manha (almuerzo), e outra refeição (comida) as 14. Naturalmente se segue uma siesta de quinze minutos, ali mesmo, no meio das vinhas, na sombra do trator. A família foi extremamente acolhedora, e me fez lembrar novamente que o melhor das viagens são exatamente as pessoas. Lugares são extremamente vazios sem elas, e também sem sentido. Conheci, recebi e retrubuí. Agora me aguardam para voltar com mais calma, para comer uma paella manchega. Seguro que volto, já tenho a viajem planejada pela Castilla La Mancha, começando pela primeira capital da Espanha, instituída ainda na época dos Visigodos: Toledo. 

Última Flor do Lácio

 

A história é muito interessante. A frase é de Olavo Bilac, e a última flor do Lácio veio do Galego. Num acerto politico com a coroa de Castilla (na época, a Espanha estava dividida em Galícia, Castilla e Aragón, falando galego, castellano e catalao, respectivamente) o conde Afonso Henrique foi permitido se tornar rei de uma pequena regiao chamada Portugália no ano de 1145. E em pouco tempo seu exército conquistou as terras ao sul, e criou-se entao Portugal. O portugues veio como uma variaçao do galego, que por sua vez é uma lingual romana derivada do latim vulgar. A intençao no entanto foi dificultar o entendimento pelo povo espanhol, e por isso hoje entendemos muito bem castellano e ele pouco entendem o portugues. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Jogador

O que me impressinou muito em Londres foi o a educação. Compensa-se a comida e a saúde, famosas pelo Europa por serem, com o perdão da palavra, uma merda. Também paga-se bem pelos cursos. Um MBA na London Business School (LBS) custa cerca de 80 mil dólares por ano, mas é uma escola que não fica pra trás de Harvard Business School. A diferença, dizem, é que Harvard prepara lideres, e por isso não admitiu por exemplo Warren Buffet, que foi estudar em Columbia. LBS, assim como esta última preferem ensinar um ofício, um craftswork, ou melhor, jogadores no tabuleiro financeiro. Para quem puder ler, está saindo uma biografia de Warren  de Alice Schroeder, ex-analista  do Morgan Stanley, e que diz ter passado mais de 2 mil horas com Buffett, acumulando quase 300 horas de entrevistas gravadas. Duvidas e vulnerabilidade, características que poucas pessoas associam a Buffett, mas para Alice elas deviam.

Um grande jogador também é George Soros, que também está lançando um livro no qual procura explicar a crise financeira. Sempre que há uma crise financeira, Soros lança um livro tentando explicá-la. Começo a acreditar que foi assim que construiu sua fortuna. 

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

London calling for a new leader


            Parece que Gordon Brown comprou algum tempo com um discurso que preparou durante suas controversas férias de verão. Também ajudou as medidas econômicas adotadas com pressa pelo governo trabalhista, que previam em sua essência diminuir a especulação. Foi aplaudido pela The City, como é chamado o centro financeiro de Londres. Ainda assim não se sabe se será o suficiente para diminuir a diferença de quase 20 pontos porcentuais entre trabalhistas e conservadores. Mas com certeza deixou preocupado David Cameron, líder dos Tories (conservadores), que há mais de um ano e meio se prepara para assumir como primeiro ministro. Pesa contra o curto curriculum vitae, particularmente quanto a questões econômicas. As próximas eleições devem necessariamente ser convocadas até 2010. 

A resposta do partido conservador deve sair na convençao que se inicia nesta semana (http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk_politics/7645053)

Três por carro, e ponto.

Saindo de Madrid, por entre a serra de Guadarrama, há uma pista expressa para carros com mais de 3 passageiros. Seguro que no Brasil, nos sinaleiros antes da via rápida, espertos negociantes venderiam bonecos infláveis para os motoristas atrasados. 

Siesta

Ontem quebrei um dos meus recordes, que marca em um relógio da Nike que comprei numa promoção com meu novo par de tênis de corrida e trilha. Fiz uma media de 1km a cada 5 minutos. Não é lá essas coisas, mas foi um recorde bom considerando que já estava duas semanas sem correr. O interessante no entanto foi notar que a cidade fecha a tarde. Não sobre ninguém, é a siesta. Não sei se realmente dormem, ou o que fazem, mas o fato é que não ficam na rua. Nem vão correr no parque. Como não tenho assistido televisão, pensei que tivessem dado uma notícia de algum meteoro vindo eminentemente , e que todos se refugiassem em suas casas, tonteria  logo desmentida por meu amigo José, da Rep. Domicana que acordou quando entrei no quarto depois de correr. 

Notícias


Notícias do El Pais. Como acontece toda semana, e quase todo dia no período de verão, foi encontrado um barco tosco com mais de 220 africanos a bordo. O percurso tradicional é saindo de Marrocos e indo até Tenerife, nas Ilhas Canárias. Impressinou as autoridades duas coisas. Foi o maior barco de imigrantes ‘’sin documentos’’ de que se tem notícia. A segunda surpresa foi o estado de saúde dos africanos. Estavam saudáveis e não havia mortos. Explico, li faz um mês ou mais que não é raro que se encontrem barcos como esse com todos mortos. O último foi na costa da Itália.

Outra notícia é o túnel que se planeja inaugurar em 30 anos, ligando Espanha a Marrocos. A descoberta de duas camadas argilosas no percurso previsto pode impossibilitar, ou no mínimo triplicar, a construção. Má notícia para Marrocos, que já traça toda sua malha ferroviária em função do túnel. A Espanha, mais esperta, resolveu esperar estudos mais conclusivos para iniciar a adaptação de suas estradas de ferro. 

Café


 Estou sentando num café, ao lado da antiga entrada da Universidade de Salamanca. Penso na vida e no mundo, já que decidi ficar for a das rodas de conversa de americanos de brasileiros. Prefiro sentar num café, ler El País e pensar na vida e no mundo. Já estou a dois dias na cidade que me parece um dos melhores lugares para estudar da Europa. A Universidade de Salamanca é uma das mais antigas da Europa e surgiu como uma resposta a Sorbonne, Bologna e Oxford, que foram as primeiras respectivamente. Ao contrario de Oxford, que possui 39 universidades distintas, Salamanca possui apenas duas, a Pontificia e a Civica, que se encontram em um equilibrio perfeito entre as areas de excelencia.

O curso começou hoje, mas apenas com uma prova de nível, e amanha já começa pra valer. Parece ser um bom curso, tenho duas aulas diárias de espanhol, uma de história da espanha, uma de literature latino Americana e espanhola, e finalmente uma de cinema espanhol e latino Americano. Já liguei também para Anays, que se tudo der certo, será minha professora de Frances. Não a conheço ainda, mas seu anuncio dentre milhares nos telefones públicos da cidade.

Dei uma passada na faculdade de educação física, ainda sem idéia do que iria encontrar lá, e encontrei tudo. Cursos e viagens de montanhismo, bicicleta de montanha (sim, os espanhóis traduzem tudo) e tênis. Foram os que mais me interessaram. Mas amanha também começo a nadar e compro minha bicicleta. Encontrei uma italiana, usada, que me parece perfeita. Vamos ver.

Agora pouco um grito conjunto das americanas, ao descobrir que uma delas fala Frances. Que legal, foi o acontecimento do dia para elas. Como estou feliz que disse que não podia me juntar a elas porque escrevo estas palavras. Por último, mas não finalmente, ainda não tenho um lugar para ficar. Estou dividindo um albergue enorme com um dominicano e um musico espanhol. Achei um apartamento perfeito, dividido entre uma finlandesa e dois espanhóis, mas só terei a resposta final hoje a tarde.

O tom melancólico quanto as americanas é por conta do livro do desassossego de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa. Recomendo. Um recorrido por filosofia e teoria literária, nas palavras de um solitário bookeeper. Infelizmente estou lendo em inglês.